quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Professores do RN são proibidos de usufruir da merenda escolar

De Francisco Francerle para a redação do Diário de Natal

O Estado, que gasta cerca de R$ 11, diariamente, com alimentação para os presos de Justiça, é o mesmo que nega R$ 0,30 para um prato de comida ao professor. Enquanto a alimentação ao preso é garantida, o diretor de escola que permitir a alimentação ao professor é ameaçado de responder administrativamente e criminalmente pelo ato. Três meses após a publicação da recomendação conjunta nº 001/2011, da 78ª Promotoria de Justiça e do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN), proibindo a "terceiros" (leia-se, principalmente, professor) de compartilhar a merenda do aluno, a recomendação executada pelos gestores ainda não foi digerida pelos educadores. Enquanto isso, a Promotoria de Educação do Ministério Público já está investigando denúncias de gestores que estão descumprindo a recomendação.

A reportagem do Diário de Natal percorreu ontem algumas escolas da capital e conversou com professores na hora do intervalo, no momento em que se cotizavam para um lanche composto de pão, biscoito cream cracker e café. O clima é de revolta entre os professores que solicitam do Governo do Estado uma forma de prover a alimentação também para os trabalhadores da escola. Semanalmente, eles fazem o revezamento e cada um traz os ingredientes do lanche, além de um garrafão de água. Eles argumentam que a atitude do Ministério Público ao invés de evitar desperdício de merenda apenas provocou a humilhação pública dos professores e deixou claro a mesquinharia do Poder Público que não sabe zelar pela educação e trata o educador como o vilão que se utiliza da merenda das crianças.

"Não bastasse recebermos o menor salário dentre os servidores temos agora que custear até a água que bebemos", reclamou a professora de Artes, Cristiane Brito, da Escola Estadual Walter Pereira, no conjunto Santa Catarina, zona norte de Natal. Para a professora, essa medida não vai resolver o problema da qualidade ou escassez de merenda nas escolas, porque o que funcionários e professores comiam eram migalhas que diariamente sobram da merenda. "Não existia aumento no cardápio para favorecer a nenhum professor. Agora, é desumano jogar no lixo uma sobra de alimento, quando ao lado tem alguns profissionais que deram três horas de aula sem parar e têm que se deslocar para outro estabelecimento no horário do almoço, muitas vezes faltando tempo e dinheiro de parar em um restaurante para almoçar".

Desperdício

A Escola Walter Pereira tem um total 1.012 alunos matriculados para 30 professores. Diariamente, segundo informa a diretora Maria Selma Paiva, cerca de 30 a 40 alunos se recusam a fazer a refeição, havendo normalmente uma sobra, apesar da escola procurar saber antes do preparo dos alimentos do número de alunos presentes. "Ocorre que muitos alunos desistem de fazer a refeição já próximo ao horário e, nesses casos a sobra é inevitável", disse.

"Ratos e insetos podem comer a sobra, a gente não"


Outra professora com 26 anos de serviço, Mirian Gomes, relembra que é de um tempo que o servidor tinha direito à assistência médica e odontológica do Instituto de Previdência do Estado (IPE) e ainda tinha convênios com supermercado e famácia. "hoje não temos nada e o pouco que tínhamos vindo de uma sobra de alimento nos tiraram. isso é uma vergonha". Inconformada com a medida, a professora Adriana Santos da Silva se utiliza de um comentário que circula atualmente na internet, assinado pelo professor Severino Ramos de Araújo, do Centro de Educação de Jovens e Adultos Lia Campos: "ratos e insetos podem comer a sobra: professores não!".

Residente em Parnamirim, ela diz que se levanta bem cedo, enfrentando todos os engarrafamentos da cidade para estar impreterivelmente às 7h numa escola da Zona Norte de Natal. "Preparo os filhos para a escola e saio sem sequer tomar café para pegar duas conduções para, na hora do almoço, pegar mais duas conduções e chegar às 13h na escola de Parnamirim. Mesmo se quiser parar emalgum restaurante não sobraria tempo", disse, questionando se o MP observa se os governos estão pagando o piso salarial determinado pelo Supremo Tribunal Federal. "Será que eles estão vendo o sucateamento das escolas?".

MP investiga descumprimento

A promotora Carla Amico confirmou ter recebido já algumas denúncias de esoclas que continuam fornecendo alimentação para trabalhadores, mas se esquivou de citar nomes de escola. "Temos recebido uma ou outra reclamação que estão sendo investigadas pelo MP", disse ela. De acordo com a promotora da 78ª Promotoria de Justiça, Carla Campos Amico, os professores não têm direito de consumir a merenda porque a Lei nº 11.947/2009, proíbe a utilização dos alimentos por terceiros mesmo fazendo parte do ambiente escolar.

"O recurso do PNAE se destina apenas à alimentação escolar dos alunos matriculados na rede pública e o Estado não repassa aos Caixas Escolares recursos destinados à alimentação de servidores públicos e trabalhadores terceirizados lotados nas escolas estaduais", destaca, reforçando que a medida é para evitar o desperdício e uso indevido dos recursos públicos. Questionada se o MP não poderia recomendar ao Governo do Estado um dispositivo que crie a merenda para o professor, ela disse que se trata de interesse classista e o MP não tem legitimidade para defender isso.

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