segunda-feira, 2 de maio de 2011

Eficácia de campanha é questionada

Marco Carvalho - repórter

O episódio trágico no Rio de Janeiro em que um jovem empunhando dois revólveres transformou crianças em alvos, matando 12 delas, reacendeu a discussão sobre o porte de armas de fogo no país. O Governo Federal aproveitou a discussão e decidiu antecipar a campanha nacional para o desarmamento voluntário, que tem início previsto para esta semana. A iniciativa, cujo orçamento inicial ultrapassa os R$ 10 milhões, divide opiniões sobre a eficácia e os resultados.


adriano abreuCel. Araújo acredita que campanha de desarmamento contribui para queda no número de crimesCel. Araújo acredita que campanha de desarmamento contribui para queda no número de crimes
A divergência é tamanha que sequer entre as forças policiais existe um consenso. Para o delegado da Polícia Civil Alexandre Coutinho, titular da Delegacia Especializada em Armamentos, Munições e Explosivos (Dame), a campanha “é um desperdício de dinheiro por parte das autoridades”. Já para o comandante geral da Polícia Militar no RN, coronel Francisco Canindé Araújo, a entrega dos armamentos “traz benefícios e se relaciona diretamente com a diminuição da violência”.

A discussão chega às esferas civis, onde o especialista em estudos sobre direitos humanos e organizador da campanha no Rio Grande do Norte, Marcos Dionísio Medeiros Caldas, compartilha da visão do comandante Araújo. Ele acredita que há um potencialização das violências interpessoais, dos crimes passionais, com o fácil acesso às armas de fogo. “As armas legais acabam abastecendo o mercado ilegal e servindo de subsídio para a violência”, argumenta.

A visão contrária exposta pelo  delegado Coutinho encontra compatibilidade no Ministério Público Estadual. Para o promotor criminal Wendell Bethoven, a campanha “não traz nada de benéfico”.

As autoridades argumentam e embasam as interpretações explicitadas à reportagem. Para o promotor Bethoven “é ilusão imaginar que a campanha servirá para alguma coisa e que conseguirá tirar arma de algum bandido”. “Os problemas são as armas ilegais, pouquíssimas vezes recebi aqui crime praticados com armas legais”, sustenta.

Para o delegado Coutinho, se o objetivo é amenizar a criminalidade, tem que se intensificar a ação policial ostensiva, assim como dar estrutura para investigações. “O dinheiro investido era para ser destinado à estrutura e também para remuneração daqueles policiais que estão na rua combatendo a criminalidade de frente”.

O coordenador estadual da campanha, Marcos Dionísio, acredita que o trabalho trará conseqüências positivas em dois aspectos. Primeiro, a arma como potencializadora do que ele classifica como “violência interpessoal”. “Se a pessoa briga no trânsito, fica exaltado e possui uma arma, a ocorrência que não passaria de uns tapas, acaba em morte”.

Depois, o abastecimento do mercado ilegal a partir de furtos e roubos de armamentos legalizados. Nesse ponto, o discurso de Marcos se complementa ao do comandante Araújo. O coronel avalia como “positiva” a iniciativa, pois acredita ser possível reduzir a quantidade de armas furtadas e da sua conseqüente alimentação do mercado ilegal. “As pessoas podem entregar o armamento e evitar que eventualmente seja roubado. Quanto mais arma, mais violência na sociedade”, pontuou o coronel.

Plesbicito

Em meio a discussão sobre o desarmamento, o senador da república José Sarney chegou a cogitar a realização de um plebiscito para novamente pôr em votação a utilização de armas por civis. Se na temática da campanha, as autoridades locais divergem, sobre o possível plebiscito, há um consenso: ninguém quer.

O coordenador estadual da entrega voluntária, Marcos Dionísio, a posição do senador “é uma atitude demagógica e que não devia se concretizar”. Visão compartilhada pelo delegado titular da Dame. “O povo já votou e decidiu. Mais de dois terços da população foi a favor da liberação”, lembrou.

Armas de fogo são as mais usadas

Mais de 80% dos crimes de homicídios registrados na região metropolitana da capital ocorreram com a utilização de armas de fogo. O dado é referente a levantamento feito no Instituto Técnico-científico de Polícia (Itep) no ano de 2010 pela organização do V Congresso Brasileiro de Direitos Humanos.

O número demonstra a preponderância no tipo de arma para a prática de homicídios. O número considerado alto é ainda mais expressivo quando detalhado. No município de São Gonçalo do Amarante, por exemplo, a porcentagem de utilização de armas de fogo em casos de homicídios ultrapassa os 90%.

Quando o número é observado por bairro de Natal, percebe-se que em Nossa Senhora da Apresentação – localidade mais violenta de Natal -, 125 dos 139 mortes registradas no ano passado foram com revólveres, pistolas e outros armamentos.

O delegado titular da Dame, Alexandre Coutinho, admitiu que é fácil o acesso a armas no RN, mas desmitificou o mercado da avenida 4. “É fácil comprar um revólver e até mesmo uma pistola por aqui. Mas a quantidade de armas atribuídas ao mercado da 4 não é verdadeira”.

O promotor Bethoven também acredita no fácil acesso, no entanto não acredita em uma quadrilha especializada em tráfico de armas. “A compra e venda de armas estão sempre relacionadas com a prática de outros crimes. Não existe um bando do estado especializado em fornecer armamento para outras quadrilhas”, encerrou.

Premiação

Tramita na Assembleia Legislativa, um projeto de autoria do coronel Francisco Araújo, que objetiva premiar os policiais militares que apreenderem  armas de fogo durante o serviço.

“Isso já existe em outros estados e torço para que seja aprovado aqui. A premiação é uma forma de incentivo e visa diminuir a quantidade de crimes”, esclareceu o coronel PM.

O promotor criminal do Ministério Público, Wendell Bethoven, vê com bons olhos a iniciativa. “O policial militar é aquele que está na rua e é a peça fundamental nesse tipo de combate. Acredito que o dinheiro é uma forma de premiar a eficiência”, diz.

O representante do MP, no entanto faz ressalvas quanto ao valor a ser pago para os policiais. A quantia irá variar de acordo com o tipo da arma entre R$ 200 e R$ 400. “Com esse valor, um policial pode achar melhor desviar a arma e conseguir mais dinheiro. Claro que um policial honesto sequer necessita dessa remuneração extra para se mostrar motivado a reduzir a criminalidade”.

 O coordenador da campanha de desarmamento no Rio Grande do Norte, Marcos Dionísio, conta que muitos classificaram como absurda a idéia, quando foi apresentada por ele no estado. “Considero fundamental a aprovação do projeto. Ele irá otimizar o serviço de segurança pública. Mas muito acharam absurdo a proposta”.

Lançamento de campanha é adiado

Marcada para ter início na próxima sexta-feira, dia 6 de maio, em todo o território nacional, a campanha de desarmamento voluntário começará com atraso no Rio Grande do Norte. Segundo o coordenador estadual, Marcos Dionísio, o prazo é de 10 dias para a Polícia Federal começar a receber as armas e recompensar os proprietários.

O prazo é ainda mais longo, 20 dias, para a instalação de postos alternativos, considerados novidades da campanha. “Estamos nos organizando junto à Secretária de Segurança Pública para estarmos prontos para dar início aos trabalhos”.

O lançamento oficial da Campanha, originalmente previsto para acontecer na tarde da próxima segunda-feira na Assembleia Legislativa, acontecerá logo que sejam definidos os postos de recolhimento de armas no estado.

As novidades deste ano ficam por conta da não obrigatoriedade de identificação e do pagamento no ato da devolução. Os valores de indenização continuarão os mesmos, variando de R$ 100 a R$ 300.

A previsão para o término da campanha é o final do ano, embora a gestão da presidenta Dilma Rousseff tenha levantado a possibilidade de tornar o recolhimento de armas permanente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário