Roberto Lucena
Repórter
“No Brasil, ocorre um genocídio seletivo. São quase 57 mil
mortos por ano e a maioria é jovem de 14 a 25 anos, negros e pobres. O Brasil
não se escandaliza com o que acontece com os pobres. Se a metade dos
assassinados fosse de classe média, o
país viveria em estado permanente de escândalo”. A afirmação é do especialista
em segurança pública Ricardo Balestreri, que mora em Natal há mais de um ano.
Alex Régis
Especialista em Segurança pública Ricardo Balestreri dá
dicas de ações que podem fazer diferença no RNEspecialista em Segurança pública
Ricardo Balestreri dá dicas de ações que podem fazer diferença no RN
Com a experiência de quem ocupou a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp) e a Anistia Internacional no Brasil, o especialista
concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE e comentou, entre outros temas, sobre a
desmilitarização da Polícia Militar e redução da maioridade penal. Eis a
entrevista.
O senhor conheceu várias cidades, e decidiu morar em Natal.
O que motivou essa escolha?
Saí da Senasp em janeiro de 2011, muito estressado. Foram
sete anos no Governo Federal muito exaustivos. Terminado esse período, decidi
não ter mais função estatal e passei a trabalhar em assessoria. Conheci todas
as capitais do Brasil e escolhi morar em Natal por achar mais agradável. Moro
aqui há mais de um ano e meio e não me arrependo.
O senhor é especialista em segurança públicas e os números
dessa área, em Natal, são assustadores. Não houve receio de se mudar para um
cidade considerada violenta? Os dados sobre violência não pesaram na escola?
Na verdade pesou e ainda pesa. Eu conheço Natal há 25 anos.
Eu acompanho o que vem acontecendo na cidade. A sensação de insegurança
aumentou muito. Comecei a vir à Natal em uma época onde as pessoas deixavam a
porta de casa aberta. Há um processo acentuado de deterioração que ocorre em
todo Brasil.
Quando esse processo começou?
Desde que nós acabamos com o Pronasci. Foi o primeiro, único
e último programa de segurança pública do Brasil e durou apenas três anos. A
partir do encerramento do programa, em 2010, os índices de violência começaram
a piorar muito. Particularmente no Nordeste. Acho que os números negativos são
produto histórico de um grande descaso, abandono da área da segurança. Abandono
que o Estado tem vivido nas últimas décadas e se agravou à medida que o Governo
Federal abandonou a segurança. Então é o somatório de duas questões
convergentes.
Os secretários estaduais de Segurança responsabilizam as
drogas pela crescente escalada da violência. Seria apenas essa a explicação
mesmo?
Não é só isso. Mas quero deixar claro que não culpo os
secretários. O problema é que uma andorinha só não faz verão. Para fazer
segurança, é preciso ter iluminação e limpeza pública, por exemplo. Se você
quiser consertar o fenômeno da
insegurança, é preciso trabalhar sobre ele, mas também trabalhar o que está ao
lado. Em uma comunidade que não quadra esportiva, que as ruas estão sujas, que
falta luz, esgotamento sanitário, naturalmente haverá crescimento da
bandidagem. Os secretários têm feito esforço, mas acho que está na hora de um
esforço conjunto com o Governo Federal. Tenho grande esperança no governo
Robinson Faria.
O Brasil acumula quase 57 mil homicídios por ano. Como
analisar este número?
Não há nenhuma guerra, em nenhuma parte do planeta, onde
ocorra essa quantidade de mortes intencionais. Isso é muito grave. É ainda mais
grave porque, no Brasil, ocorre um genocídio seletivo. São quase 57 mil mortos
por ano e a maioria é jovem de 14 a 25 anos, negros e pobres. O Brasil não se
escandaliza com o que acontece com os pobres. Se a metade dos assassinados fosse de classe média, o país viveria em estado
permanente de escândalo. Mas morrer 57 mil pobres parece que não faz diferença.
A gente já banalizou a desgraça e dor dos pobres. Não temos mais sentimento de
compaixão e de verdadeira democracia.
Para enfrentar e reverter essa realidade, os governadores
podem trabalhar sozinhos ou é imprescindível a ajuda do Governo Federal?
Acho que é possível fazer muito sem ajuda do Governo
Federal. Quando eu era secretário, lembro que o TCU [Tribunal de Contas de
União] sempre recomendava que nós deveríamos ter cuidado para não criar o vício
da dependência nos Estados. Se você faz
o Estado ficar viciado no dinheiro do Governo Federal, ao longo dos anos o
Estado acredita que não tem mais que investir. De alguma maneira, isso pode ter
acontecido no RN. Acho que está na hora do RN fazer investimento próprio em
segurança, mas tem que exigir a participação da União. Segurança pública é
muito caro, mas o Estado é rico. Não podemos dizer que o RN é um Estado pobre.
O senhor já declarou que o modelo da Polícia Militar no
Brasil está equivocado. Porque?
Precisamos de uma polícia de proximidade. Precisamos saber o
nome do policial, conversar com ele. Com esse modelo de botar os policiais para
rodar o dia inteiro dentro de viaturas, conseguimos o desastre. Esse modelo é
uma cópia do modelo americano que faliu nos anos 70. Não pode funcionar. No
período da Ditadura Militar, houve o sequestro das polícias. O Estado
Brasileiro roubou a polícia Militar e Civil para si e afastou a polícia do
povo. Precisamos ter a coragem de devolver a polícia ao povo.
Esse processo passa pela desmilitarização da Polícia
Militar?
Acredito que precisamos reforçar o desvínculo com as Forças
Armadas. Isso é um absurdo. Não tem que haver confusão entre polícia e Forças
Armadas. As Forças Armadas são basicamente de guerra. A polícia tem política de
paz. Esse vínculo é uma sequela da Ditadura e a desvinculação é necessária. Mas
sou a favor da estética militar. Acho que a PM necessita da farda e dos
ordenamentos militares. Mas precisamos desmilitarizar a polícia do ponto de
vista ideológico. Significa que o cidadão não é inimigo da polícia, reconhecer
os direitos humanos dos policiais, entre outros. A hierarquia e disciplina
precisam conviver com o respeito democrático aos direitos.
Outro assunto polêmico é a discussão sobre a possível
redução da maioridade penal. Qual sua opinião sobre o tema?
Essa discussão precisa ser abordada em tese e dentro da
realidade brasileira. Em tese, não haveria problema em reduzir a maioridade
penal porque grande do mundo civilizado a maioridade penal é inferior a 18
anos. Teoricamente não haveria problema. O mundo evoluiu muito. Agora, como no
Brasil o sistema prisional incivilizado, reduzir a maioridade penal é jogar os
adolescentes a todo tipo de atrocidade dentro dos presídios. Os presídios no
Brasil, todo mundo sabe, são as escolas dos crimes. Os presídios normalmente
não são comandados pelo Estado e sim pelos presos.
Roberto Lucena
Repórter