Tropas de Elite
Ao pesquisar as origens mais longínquas das Tropas de Elite, chega-se na operação “Cavalo de Tróia” ocorrida em 1200 A/C, quando um grupo de combatentes gregos escondidos dentro de um cavalo de madeira entrou no território inimigo na cidade Tróia e, de forma furtiva, conseguiram franquear o acesso do restante da tropa, momento esse descrito na obra “A Ilíada” de Homero quando Ulisses disse a seus homens: “Príncipes, lembrai-vos de que a audácia vence a força. É tempo de subir para o nosso engenhoso e pérfido esconderijo. Já dentro da cidade de Tróia, com a ajuda hábil de Epeu, Ulisses abriu sem ruídos os flancos do animal e, pondo a cabeça para frente, observou por todos os lados se os troianos vigiavam. Não vendo nada e ouvindo apenas o silêncio, tirou uma escada e desceu a terra. Os outros chefes, deslizando ao longo de um cabo, seguiram-no sem tardar. Quando o cavalo havia, devolvido todos à noite sombria, uns apressaram-se a começar o massacre e os outros, caindo sobre as sentinelas, que em lugar de vigiar, dormiam ao pé das muralhas descobertas, degolaram-nas e abriram as portas da ilustre cidade do infeliz Priamo”, daí a expressão: “presente de Grego”.
Percebe-se dessa narrativa alguns elementos muito típicos das Tropas de Comandos presentes até hoje. A ação audaz, engenhosa, furtiva, letal e com objetivo definido caracteriza esse tipo de combatente.
As Tropas de Elite, no meio policial, foram efetivamente influenciadas na sua criação pelas “Tropas de Comandos” da 2ª Guerra Mundial que eram constituídas por grupos de militares que, apenas com seu equipamento individual, faziam incursões relâmpago em território inimigo com a finalidade de matar e destruir; portanto, matar o inimigo e destruir seus suprimentos e instalações constituíam em geral os objetivos principais de uma Tropa de Comandos.
É nesse sentido que, dada as agruras e perigos de uma missão dessa natureza, a formação de um integrante de uma Tropa de Comandos era precedida de uma especial preparação do candidato que pretendesse fazer parte desse seleto grupo, e isso ocorria por meio de um curso específico, um Curso de Comandos ou também conhecido como um Curso de Operações Especiais.
Dessa forma, é fato que, um Curso que tem por fim preparar um militar para atuar nas condições mais adversas tem que reproduzir no treinamento situações muito próximas da realidade que se irá enfrentar, no entanto, é preciso a temperança de não se afastar do objetivo pretendido por meio de práticas que, de modo unilateral, não acrescentam nada ao homem que está sendo preparado, servem apenas para exteriorizar eventuais anomalias psíquicas por parte de pseudos instrutores ou instrutores despreparados conduzindo, a longo prazo, o curso a um descrédito.
Assim, exigir altíssima disciplina e prontidão é importante, pois disso se necessita nas missões; trabalhar em equipe com a máxima atenção e segurança é fundamental e disso se necessita nas missões; ter vigor físico e resistência à fadiga é imperativo, pois se necessita nas missões; ter controle emocional para trabalhar sob pressão é indispensável, pois se necessita nas missões; suportar longos períodos sem se alimentar ou se hidratar, sem perder a concentração é uma vivência que vale a pena passar pois acontece em algumas missões e disso tudo se conclui que, forjado dessa maneira, aumentarão as chances de sobrevivência e a possibilidade de cumprir a missão a contento; aliás, a expressão “cumprir a missão” tem um significado muito particular na mente e no coração de um integrante de uma Tropa de Elite. De certa forma, tais atributos, exigências e tal rigor no alcance do objetivo definido, que significa o cumprimento da missão, não encontra, em geral, muita aderência em pessoas desprovidas de virtudes pertinentes a essa natureza; assim, “os espíritos fracos”, oportunistas, medianos, ou os, como disse Fernando Pessoa, que “vivem numa penumbra cinzenta que não conhecem nem a vitória nem a derrota...”, ou ainda, bem simbolizado por Gonçalves Dias no poema “I Juca Pirama”, que retrata a repulsa de um velho guerreiro por seu filho que, capturado, demonstra fraqueza diante da morte: "Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o covarde do forte; pois choraste, meu filho não és! Possas tu, descendente maldito; de uma tribo de nobres guerreiros; implorando cruéis forasteiros; seres presa de vis Aimorés?”.
Os pertencentes a esses grupos são diferentes, são guerreiros no sentido da obstinação, os valores defendidos por eles são virtuosos e de altos ideais, é o que se depreende dos poemas acima citados e da Oração do Guerreiro do GATE, uma das Tropas de Elite da Polícia Paulista, que diz: “Ó Senhor meu Deus, daí nos somente aquilo que vos resta, daí nos a fome, daí nos a sede, daí nos o frio, daí nos o medo, mas daí nos acima de tudo ó Senhor; a fé, a força, a coragem e a vontade de vencer, uns têm, mas não podem, outros podem, mas não têm, nós que temos e podemos, agradecemos ao Senhor”. É fato que no conteúdo desta oração estão contidos muitos atributos pertinentes e particulares de um homem de operações especiais; é no mínimo curioso pedir a Deus algo que resta, uma vez que as coisas boas já foram pedidas pelos outros.
Esse modelo de Tropa de Comandos deu tão certo que acabou por inspirar vários grupos táticos nas polícias do mundo todo; o maior vetor nesse sentido foram as SWATs na década de 60 nos Estados Unidos e seguindo um modelo semelhante foram criados o GSG9 na Alemanha, GIGN na França, GEO na Espanha, as Fuerzas Especiales na Argentina e no Brasil os vários grupos especiais das Polícias Federal e Estadual, sendo o BOPE do Rio de Janeiro o mais antigo e agora o mais comentado de todos por conta do lançamento do filme “Tropa de Elite” que explorou essa questão.
Não é o interesse comentar as diversas nuances que o filme apresenta sob o ponto de vista sociológico, sob o ponto de vista do estresse emocional do policial ou mesmo do aspecto econômico relativo ao tráfico de entorpecentes; o que importa nesse artigo é explorar o subproduto decorrente de uma ampla exploração midiática de uma Tropa de Elite, e nesse mister faz-se necessário, para afastar-se da simplificação, estabelecer alguns pontos de reflexão.
A priori sempre se deve considerar que um policial que integra uma Tropa de Elite não é mais nem menos que qualquer outro policial; não deixa de ser uma visão maniqueísta classificar os policiais da forma como sugere o filme em três únicas categorias: os omissos, os corruptos e os que vão para a guerra; fazendo supor que somente aqueles que vão para a luta, nos moldes de como demonstra o filme, são os que devem servir de modelo ou fazer surgir um senso comum de que a maioria dos estudantes universitários e membros de ONGs atuam com tamanha hipocrisia; trata-se de um exagero na ficção, que merece no mundo real um ajuste; aliás, se merece alguma consideração e apreço da sociedade, roga-se para que seja feita ao policial ordinário, em sua maioria gente de bem, gente honesta que trabalha em uma viatura policial de rádio patrulha e é designado para atender uma ocorrência não sabendo o que vai encontrar pela frente; são esses policiais que não possuem os equipamentos e armamentos mais modernos disponíveis, não possuem o treinamento diferenciado e atendem desde uma simples desinteligência até ações perpetradas por criminosos em grande número e fortemente armados, assim, se uma homenagem há de ser feita que se faça a esses que não usam a farda preta ou camuflada.
Ao contrário disso, um policial de uma Tropa de Elite é diferente não na sua essência; a sua natureza é similar a de todos os outros policiais que tiveram a capacidade intelectual, o perfil psicológico desejado, a capacidade física, a ausência de alterações em seus antecedentes criminais, a conduta social adequada e passaram no concurso público; mas sim na sua existência por cultuarem, de modo mais explícito, valores como a honestidade, coragem, verdade, espírito de coesão e outros de caráter virtuoso, e isso, em um grupo pequeno fica mais fácil de ser cultuado e fiscalizado, pois, nessas circunstâncias não é possível “mascarar” conduta diversas desses valores, por muito tempo.
Além disso, para se criar uma Tropa de Elite é necessário muito mais do que escolher um símbolo normalmente relacionado com os felinos, aves de rapina, caveiras, armas cruzadas, miras telescópicas ou qualquer outra coisa similar; não basta tampouco selecionar um grupo de algumas dezenas de policiais, bem preparados e dotá-los com uniforme diferenciado, uma viatura caracterizada e estarem prontos para sair por aí bancando “o mocinho” com uma exposição muito mais exibicionista do que efetiva, muito mais forma do que conteúdo.
Qualquer Tropa de Elite deve seguir alguns pressupostos impostos pelo caminho seguro da doutrina. O primeiro deles é que uma Tropa de Elite deve sempre respeitar seus três únicos momentos, quais sejam: treinar, dar treinamento e operar. Não se pode ter uma Tropa de Elite e operá-la como “clínica geral” em operações regulares, como “Operação Papai Noel”, “Operação Carnaval”, “Operação Feriado Prolongado” ou outra coisa semelhante.
Caracteriza também uma Tropa de Elite a dotação de equipamentos e armamentos diferenciados que a torne apta para transitar, de forma plena, nas quatro alternativas táticas, que são: a negociação, o emprego de técnicas não-letais, o tiro de comprometimento (atirador de elite, também conhecido como “sniper policial”) e a invasão tática.
Além disso, o voluntariado é algo recomendado e característico de uma Tropa de Elite, até porque, as exigências e as vicissitudes das missões exigem um “algo a mais” e dessa forma a observância do critério do voluntariado facilita em muito o “funcionamento das coisas”.
Por último, um outro requisito é uma expectativa de demanda, ou seja, uma perspectiva de emprego que justifique o alto investimento que é necessário para manter-se uma Tropa de Elite em condições de atuação.
Dito isto, parece agora mais claro e evidente aquilo que, no embalo do filme “Tropa de Elite”, algumas forças policiais têm proporcionado por meio da televisão aos telespectadores. Parece haver uma febre descontrolada, a moda é ser da “Tropa de Elite”, aliás, tudo virou “Elite”, tudo tem “Especial” no nome e, até os métodos e particularidades do treinamento de uma verdadeira Tropa de Elite, ocupam agora, um lugar comum em qualquer treinamento, muitas vezes por “mãos inábeis” que tendem mais às alegorias e fanfarronices do que ao verdadeiro conteúdo e finalidade, aumentando inclusive em muito o risco do treinamento e invadindo, sem propósito, a dignidade das pessoas. É preciso cuidado.
Em que pese à declarada tentativa do filme “Tropa de Elite” em reproduzir a realidade do Rio de Janeiro, há que se considerar que se trata de uma obra de ficção e não de um documentário; mais que isso, uma ficção que ocupa um espaço temporal de dez anos atrás, dessa forma, é preciso ponderar que os mecanismos de tolerância social, do fortalecimento das instituições democráticas, da preservação dos direitos humanos, inclusive dos transgressores da lei e ainda dos meios de controle da atividade policial, convergem todos, para a prática de ações cada vez mais inseridas no ordenamento jurídico vigente, muito mais do que no passado; assim, algumas práticas exploradas no filme, ainda que permeada de uma boa intenção de seus roteiristas em reproduzir uma suposta realidade, visando um bem maior, merecem severo questionamento por serem flagrantemente contrários a um Estado de Direito.
Outro aspecto que merece uma análise prudente é a de que, embora o filme tenha tido uma repercussão nacional e até internacional, o Brasil continua sendo um país continente e possuidor de diversas realidades diferentes. Por isso é possível admitir, que cada região tem características singulares, vale dizer que as formas de atuação da polícia e também dos criminosos não devem ser padronizadas no país como um todo; a metodologia usada no combate ao crime por um Estado Membro, eventualmente é a melhor possível para aquele Estado e não necessariamente para um outro.
A mensagem que o filme passa, sob o ponto de vista da análise policial, corresponde ao pior legado que as Tropas de Comandos da 2ª Guerra deixaram como herança para a formação das Tropas de Elite no âmbito da Segurança Pública. Trata-se da dificuldade de algumas em reconhecer o criminoso não como um inimigo que deve ser eliminado, mas sim como alguém com desvio de conduta que precisa prestar contas de seus atos ilícitos à justiça. Uma Tropa de Elite, no âmbito policial, atuando na direção que o filme sugere, pode até convergir com a expectativa da opinião pública, que mercê do recrudescimento da criminalidade e da violência urbana, anseia por resultados rápidos, sumários; no entanto, essa onda mais cedo ou mais tarde passa e o que sobra é o questionamento frio e imparcial de um inquérito policial ou de um processo na justiça que analisará e julgará tecnicamente a correção ou não da conduta policial frente ao ordenamento jurídico vigente, nessa hora o policial protagonista da ação questionada se vê só, abandonado à própria sorte. É preciso ponderação.
Além do mais, “matar o bandido” como às vezes induz o clamor social não é e nunca será a solução do problema. É bom frisar que o emprego de força letal é direito dado ao policial no estrito cumprimento de dever legal ou na legítima defesa própria ou de terceiros, desde que observados os parâmetros legais que regulam essa conduta; o que acontecer fora desses limites, é por conta e risco do policial; sendo assim a sabedoria consiste em deixar que o criminosos escolha o seu caminho; um bom policial envidará todos os esforços para prendê-lo e conduzi-lo à justiça para prestar contas de seus atos e esse mesmo bom policial não irá titubear em fazer uso da força necessária, inclusive a força letal, para cumprir o seu dever funcional se a situação assim o exigir.
Seja como for, o filme serve para trazer questões importantes à tona, estimula, acirra os ânimos e essa efervescência contribui para o aperfeiçoamento do debate tornando-o mais maduro, mais centrado e Oxalá contribuindo para o bem, para onde todas as coisas tendem.
Diógenes Viegas Dalle Lucca, Cap PMSP
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