O coronel Francisco Canindé Araújo é um dos homens de maior influência no Estado quando o assunto é segurança. Próximo de completar 4 anos no cargo de comandante geral da Polícia Militar, Araújo concedeu uma entrevista exclusiva para O Jornal de Hoje e não se intimidou a falar sobre diversos assuntos, desde as dificuldades em administrar a corporação até o momento crítico atual da segurança no RN.
Entre os temas mais delicados, estão os preparativos para a Copa do Mundo. O evento começa em junho e terá Natal como uma das sedes dos jogos. Com os atuais índices de violência no Estado, coronel Araújo afirmou que será um grande desafio preparar a segurança para o evento. “Eu tenho 50 anos e nunca tive a oportunidade de acompanhar uma Copa do Mundo em nosso país, muito menos participar de todo o planejamento da competição. Será uma realidade completamente diferente que teremos aqui no RN e em todo o Brasil, pois teremos o mundo todo olhando para nós”, disse.
Se não bastassem as preocupações que um evento como a Copa do Mundo traz, o fato de a seleção dos Estados Unidos jogar em Natal (contra Gana no dia 16 de junho) é um fator que exige ainda mais cuidado. A preocupação do militar tem explicação. O time americano teme sofrer possíveis ataques terroristas, medo que se repete praticamente a cada grande evento esportivo ao redor do mundo.
“A seleção dos Estados Unidos irá inspirar um cuidado maior. Um cuidado não só da polícia, mas de todos os órgãos de segurança municipal, estadual e federal. Vai ser muito importante a integração de todos esses órgãos. Além dos órgãos da Saúde, Defesa Social, Defesa Civil, Poder Judiciário, Ministério Público e OAB. Todos apoiando a realização do Mundial”, finalizou.
FORÇAS ARMADAS
Nos últimos meses, o RN ganhou destaque na mídia brasileira e mundial pelos problemas na segurança. Um ranking divulgado pela ONG mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal AC, apontou a capital do Estado como a 12ª mais violenta do mundo. A ESPN, um dos principais meios de comunicação esportiva do planeta, classificou Natal como “muito mais violenta que a África do Sul”, ao fazer uma comparação com as cidades que receberam jogos da Copa do Mundo de 2010.
Com os números alarmantes, no início do mês a governadora Rosalba Ciarlini resolveu agir e nomeou o general Eliéser Girão Monteiro como titular da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Para o Araújo, a escolha não poderia ter sido mais acertada. “O general tem um currículo muito bom para o atual momento da segurança no Estado. Cada instituição tem sua autonomia financeira e de gestão, mas o general agora é o coordenador central”.
Questionado se seria favorável a utilização das Forças Armadas no dia a dia dos municípios do Estado, o coronel respondeu negativamente. “A PM tem uma relação muito forte com as forças armadas e somos reservas e força auxiliar do Exército brasileiro. Então até isso facilita o relacionamento nosso com a pessoa do secretário. Porém, acredito que aqui no RN, a Polícia Civil e Militar estão conseguindo atender a demanda. Claro, tudo dentro de nossas possibilidades”, argumentou.
Quase três décadas de PM
Natural de São Bento do Trairi, no interior do Estado, Araújo tem 50 anos, dos quais 29 dedicados à Polícia Militar, desejo que carregava desde criança. “Eu sempre quis seguir essa carreira. Antes de entrar na PM, eu fui para o Exército. Em 83 eu fiz o Núcleo de Preparação para Oficiais da Reserva (NPOR). Já em 84 eu fiz um estágio e em 85 entrei na Polícia Militar através de um concurso. Como no RN não tinha academia, fui para Pernambuco”, relembrou.
Depois de vários anos na PM, Araújo chegou ao posto de Coronel e em 2010 veio o grande convite. Em março, o então governador do RN, Iberê Ferreira de Sousa, propôs a Araújo que ele assumisse o Comando Geral da PM do Estado. “No começo eu relutei um pouco. Falei que era jovem no posto de Coronel e também no tempo de serviço”, porém, convencido pelo governador, foi nomeado para o cargo em 1ª de abril daquele ano, dia em que realizou um sonho.
“Apesar das dificuldades que eles tinham, meus pais me deram condições de entrar em um escola. Estudei bastante e consegui ir para PM. Quando um cadete entra na corporação, ele tem o sonho de ser um oficial. O oficial tem o sonho de ser um Coronel. Todo Coronel tem o sonho de um dia ser Comandante. Para mim é uma honra muito grande ser o comandante dessa corporação. Este ano a corporação está completando 180 anos de existência, então eu me sinto honrado por ter sido escolhido pelo governador Iberê e depois a governadora Rosalba Ciarlini ter me mantido no cargo”.
Apesar de todo orgulho de ter chegado ao cargo, coronel Araújo tem sentido na pela as dificuldades de administrar a Polícia Militar. Durante os quase quatro anos que ele está à frente da corporação, os desafios sempre estiveram presente. “Tem sido um período de muitos desafios. O Estado passa por dificuldades financeiras e orçamentárias e isso atinge todos os gestores, na PM não é diferente. Superamos essas dificuldades com vontade de trabalhar e criatividade. Muitas vezes o Estado não tem recursos, então buscamos parcerias, públicas e privadas, para trazer os recursos e fazer com que a ‘máquina’ continue funcionando”, afirmou.
Por lei, a PM do RN deveria ter um efetivo de 13.466. Porém, o quadro atual é de 9060, um déficit de 4406. Além das baixas e aposentadorias, o número de PMs que deixaram a corporação por expulsão ou licenciamento também influenciou para a diminuição no quadro de policiais. “Nos últimos quatro anos nós expulsamos ou licenciamos da corporação 95 policiais que cometeram atos ilícitos que vão contra o comportamento da corporação. Além disso, punimos disciplinarmente mais de 700 policiais”, destacou Araújo. Atualmente, aproximadamente 20 PMs estão presos no quartel. Entre os “desvios de conduta” que eles e os que já foram desligados da PM cometeram, estão crimes como tráfico de drogas, homicídios, extorsão e até mesmo estupro.
Para acabar com esses problemas e tirar os “maus” policiais de dentro da corporação, um controle rígido tem sido feito. “Todos os anos temos a seleção de entrada e todos os anos aperfeiçoamos essa seleção. Também fazemos um controle no dia a dia. Em caso de algum problema, tomamos algumas medidas. Caso o PM insista nesse desvio de conduta, ele terá o direito a ampla defesa e contraditório, mas iremos investigar de forma rigorosa e punir da maneira mais certa para cada caso. De todos os policiais que desligamos da corporação, nenhum voltou. Isso mostra como os julgamentos são bem feitos. Por outro lado, nos últimos anos distribuímos mais de 1000 medalhas para policiais por bons serviços prestados”.
Com tanta responsabilidade nas mãos, coronel Araújo está ciente que pode ter feito alguns “inimigos”. “Vez ou outra vem alguém conversando alguma bobagem, mas tomamos medidas de precaução. Corro risco como qualquer gestor ou comandante corre. Não temos nada contra os policiais que transgrediram, apenas cumprimos a lei. A lei diz que eles precisam ter determinada conduta, caso contrário serão punidos”.
‘Sociedade tem que mudar’
Coronel Araújo acredita que apenas melhorar os órgãos que cuidam da segurança não irá resolver o problema da violência. “O produto final que chega para a polícia resolver, não foi causado pela polícia. É uma situação que vem da família, do cuidado dos pais com os filhos. Depois passa pela igreja e pela escola. Digo igreja como um moderador, independente da religião. O jovem precisa ter escola em tempo integral. Os pais precisam saber com quem os filhos andam. Quando isso tudo falha, termina na polícia. A Polícia é chamada para resolver o que falhou lá atrás”, afirmou.
Para Araújo, outro problema importante que precisa ser combatido são as drogas, principalmente o consumo do crack. “O Brasil não é produtor de cocaína. Ela vem de outros países. Ele entra aqui como um subproduto, que é o crack, que está viciando os jovens. Se o jovem não tem escola e nem lazer, ele vai usar drogas. Se ele não tem dinheiro para comprar a droga, ele vai roubar. Aí aumenta o número de homicídios, assaltos a mão armada. Quando consome e não tem dinheiro para pagar, o traficante vai lá e mata. Aí tudo isso sobra para a polícia resolver”.
Em relação à diminuição da maioridade penal, Araújo frisou que isso só irá trazer outros problemas. “Eu sou totalmente contra a diminuição da maioridade penal. Se isso acontecer, depois teremos crianças de 6 ou 7 anos presas nos presídios. O que precisamos mudar é aquilo que falei, as políticas públicas. Os jovens precisam de escola em tempo integral e de lazer. Caso contrário esse cenário atual não irá mudar”.
JORNAL DE HOJE
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